Foi num dia triste de Novembro, de 1948, uma quarta-feira de um dia 3, às 18 horas.
Os ânimos perturbaram-se, pois acabara de falecer, fulminado por morte súbita, um sacerdote que caiu em plena linha férrea, quando vinha de Lisboa, e se preparava para tomar o comboio do ramal de Viseu, rumo à sua terra, uma aldeia de Tondela. Tal acontecimento não teria grande importância se o mesmo não se viesse a revestir de enorme polémica.
Quando em 1957, eu estudava em Coimbra e fazia as viagens de fim de semana, no comboio, os soldados de cabeças fora das janelas, faziam grande barulheira. No Luso, havia uma senhora que vendia, na estação, bilhas de água e lançava o seu pregão vigoroso: - Água do Luso. - E a soldadesca vociferava: - Água do Luso.
Os cenários das estações eram engalanados de flores dos seus bem cuidados jardins, dos risos das pessoas, da cor, do movimento. Eram um sinal de vida dos comboios que partiam ao som do apito do chefe da estação.
Chegava-se a Mortágua e a soldadesca gritava: - Mortágua matou o Juiz. - E do lado de lá vinha sempre a resposta: - E Santa Comba enterrou o Padre vivo.
O Padre ainda estava na flor da idade. Tinha 47 anos, chamava-se António Fernandes Monteiro e era capelão do Hospital da Misericórdia da Ericeiro. A sala de espera da estação foi transformada em câmara ardente. Aí compareceram imediatamente o subdelegado de saúde, as autoridades, os sacerdotes do Vimieiro e de Santa Comba Dão, a D. Marta e toda a gente. Depois de todas as formalidades legais é que teve lugar o funeral.
O padre era muito forte e possivelmente o caixão era de fraca qualidade. Pelos caminhos enlameados de Vimieiro, quatro homens seguravam as pegas do caixão e as mesmas desprendem-se, caindo este, com grande estrondo, no chão.
Enterraram-no no cemitério de Vimieiro, na primeira fila, ao lado direito, quando se entra.
Entretanto chega um carro com a irmã do padre a gritar que «enterraram o meu irmão vivo». O boato instalou-se e correu de boca em boca e ultrapassou as fronteiras da nossa aldeia. A campa do padre por ali ficou esquecida. Nunca ninguém lhe veio colocar uma flor, um epitáfio ou uma cruz. Somente esquecimento.
Fico, contudo, sem saber na verdade com esta história triste, quando acaba a vida e começa a morte.
Muitos anos mais tarde voltei a fazer o mesmo percurso, Santa Comba Dão - Coimbra e não encontrei a senhora das bilhas da água do Luso, os soldados que gritavam, nem as estações floridas. Tudo murchou,tudo caiu no esquecimento, tudo a morte levou...
Vimieiro
Elsa Silvestre do Amaral
_______________________**********___________________________FESTAS DE SANTA CRUZ, em dias de temporal
As festas da Santa Cruz são tão antigas que se perdem na patine dos tempos. Elas são o prenúncio da Primavera em que o homem pedia a Deus boas colheitas. Estas festas das paróquias de Santa Comba têm uma certa suavidade espiritual, um certo encanto e depois é o arraial festivo e alegre. não há jornal nenhum de tempos idos que não mencionem esta bela festa.
Corria o ano de 1893, num dia 7 de Maio e o jornalista que se assina de A., descreve-nos assim a Festa de Santa Cruz: "O dia rompera claro e luminoso, o sol ardente como se fora em Agosto e assim se conservou até pouco depois do meio-dia. Justamente porém quando a população da vila se preparava para ir à romaria, o céu toldou-se de repente. Grandes, densas e plúmbeas nuvens principiaram a acastelar-se no horizonte, encobrindo o sol e tornando a atmosfera pesada e asfixiante. Instantes depois estalou a mais violenta trovoada que à roda de Santa Comba, antes ou depois dessa, se fez sentir e de mais lamentáveis consequências. Os relâmpagos cruzaram os ares em todas as direcções fendendo o espaço num ziguezaguear aterrador. O trovão ribombava com estranho fragor, caindo simultaneamente grossas cordas de chuva e de granizo muito do qual do tamanho de ovos de galinha que quebrou telhados, partiu vidraças, destruiu sementeiras, aniquilou as vinhas e arrasou os campos. Nunca e Santa Comba e arredores se assistiu a espectáculo mais confrangedor e horrível, que durou horas e parecia nunca mais ter fim..."
"Depois passados dez anos, em 1903, também no dia de Santa Cruz, que por sinal se realizou no próprio dia 3 Maio, pois calhou a um domingo, choveu tanto e tão torrencialmente que mal se pôde efectuar o encontro das cruzes e o arraial da tarde não se pôde realizar e que seria abrilhantado pelas filarmónicas de S. João de Areias e de Santa Comba Dão. As chuvas que não tinham vindo em Abril começaram de cair com estranha violência prolongando-se durante muitos dias seguidos e com tal intensidade que o rio Dão saiu fora do leito destruindo as sementeiras das terras marginais causando sérios prejuízos à agricultura."
A Santa Cruz sobrevive sempre às tempestades. Nesse dia as Cruzes vestem-se de flores simbolizando a Primavera e a simplicidade dum povo. Tantas gerações que por ali têm passado!
Afinal é curta a vida do homem mas longa a da eternidade.
Vimieiro
Elsa Silvestre do Amaral
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